Funcionários da Morgue Municipal do Kilamba Kiaxi rejeitam corpos por falta de condições de trabalho
Trabalhadores da Morgue Municipal do Kilamba Kiaxi, estão a rejeitar receber corpos naquele necrotério. Depois de denúncias chegadas ao Na Mira do Crime, uma equipa deste portal deslocou-se na manhã de ontem, terça-feira, 11, até ao local para constatar a situação.
Por: Carla Nayara
Começamos pela morgue interna do Hospital Geral, onde constatamos que, a mesma, devido a uma avaria, está a trabalhar parcialmente, por causa de falta de refrigeração.
De acordo com o maqueiro em serviço, técnicos tudo estavam a fazer para superar a situação. Já na Morgue Municipal do Kilamba Kiaxi, a situação é totalmente diferente. Os trabalhadores explicaram ao Na Mira que estavam a rejeitar corpos propositadamente porque falta de motivação no trabalho.
"Estamos sim a mandar os corpos para a Morgue Central poque não somos tidos nem achados pelo Ministério da Saúde", atiraram, acrescentando que, recebem tratamento desumano desde 2005.
"Em 2014 participamos de um concurso público, assinamos contratos na delegação provincial de saúde, em 2015, em 2016 fomos chamados e atualizamos os documentos e até hoje nada, estamos mesmo a envelhecer aqui sem aposentadoria garantida nem nada", lamentaram.
Mendigar nas famílias
"O Sr. Jornalista sabe o que é pedir a alguém que acabou de perder o pai ou a mãe e que veio depositar o corpo para arranjar qualquer coisa? alguém que está em prantos, porque se não o fizermos não sabemos onde tirar o que comer...? não é falta de sensibilidade, é mesmo necessidade", reclamaram, alegando que, há funcionários que estão nesta condição de pedinte há mais de 10 anos.
"Às ambulâncias chegam com corpos de todo tipo, uns mais complicados que os outros, e somos nós que tiramos o corpo e depositamos, qual é a moral que vamos ter?", questionou um dos funcionários que não aceitou se identificar.
De acordo com os trabalhadores, o caderno reivindicativo enviado aos mais diversos órgãos que tratam das morgues foi rejeitado.
"Sempre que marcamos audiência com o administrador municipal ou a governadora, somos de alguma forma afastados, estamos saturados com isto".
Segundo os funcionários da Morgue Municipal do Kilamba Kiaxi, quatro dos 21 trabalhadores que operavam naquela morgue morreram, e foram sepultados como indigentes.
"Se repararem nas formalidades, nós fizemos muito dinheiro, para ter noção, um corpo paga entre mil a dois mil kwanzas, por cada 24horas, e geralmente permanecem 48 ou 72 horas, agora fazem às contas, multiplicando por 40 ou 50 cadáveres que dão entrada por dia, é muito dinheiro, mas mesmo assim não nos dão nada".
De acordo com os entrevistados, João Bernardo Malengue, o responsável máximo da morgue, é o único funcionário remunerado.
"Ele trata de tudo, quando o dia termina, por volta das 15horas, ele pega no dinheiro e guarda, nós temos que nos virar em comprar os nossos uniformes com o pouco que fazemos de biscates de lavar corpos, vender mascararas e material de biossegurança".
Das 4 câmaras existentes, uma não funciona porque estragou o motor, enquanto que, segundo os funcionários, as outras 3 não trabalham a 100 por cento.
Quatro corpos estão em estado de abandono e em avançado estado de putrefação.
Os trabalhadores explicaram ainda que, quatro cadáveres estão em estado de abandono e em estado avançado de putrefação. Para inibir o cheiro, são colocados panos e blocos nas portas das gavetas para que os fluidos corporais não caiam noutras gavetas.
Não há sequer uma lâmpada no corredor, os candeeiros estão todos estragados. Quanto ao gerador que auxilia quando falta energia, para arrancar os trabalhadores dizem se obrigados a pedir emprestado baterias na vizinhança.
Morgue é para desativar
Contactado via telefone o chefe de Departamento de Cemitérios e Morgues do Governo Provincial de Luanda (GPL), Filipe Mahapi, fez saber que a Morgue Municipal do Kilamba Kiaxi vai ser desativada.
"A morgue está absoleta e está a ficar em escombros, no entanto, é para fechar já. A orientação que temos é para fechar".
De acordo com o responsável, a Morgue foi feita para trabalhar pouco tempo, e já está em curso a construção de uma nova Morgue junto ao Hospital Geral, que terá mais de 250 lugares.
"Por isso, também, é que foi construida a morgue que está adjacente ao Hospital Maria Pia, com aproximadamente 200 gavetas, e desativamos a que estava lá, e que era do tempo colonial".
Remuneração dos funcionários
Segundo Filipe Mahapi, todos os trabalhadores que estão na Morgue do Kilamba Kiaxi e que não estão a ser remunerados, na sua maioria não têm contratos com o Governo da Província de Luanda.
"Um ou dois tinham contrato com a administração do Kilamba Kiaxi, e o restante fazem biscatos e agora exigem remuneração. Mas está a se trabalhar para alistar estes trabalhadores, e só por isso não estão a ser remunerados, mas ganham quando lavam corpos", disse, sublinhando que a governadora já deu uma luz, e tudo se está a fazer para os reentegrar.