Responsável pela minha cessação de funções na Polícia Nacional tem nome e rosto - Paulo De Almeida
Dois meses depois de ser exonerado do cargo de Comandante-geral da Polícia Nacional, enquanto cumpria uma missão no exterior do país, Paulo de Almeida concedeu uma entrevista à rádio LAC, e passou em revista os seus 47 anos de farda, abordou questões relacionadas com a sua família, e lamentou a forma “menos honrosa” como foi afastado da mais alta chefia da Polícia Nacional.
Por: Osvaldo de Nascimento
Paulo de Almeida, começou por dizer que, durante este tempo entregue à Nação, o seu metabolismo ficou formatado a uma determinada realidade, e estar de repente numa outra situação, é difícil, principalmente pela idade.
“Era previsível que havia de chegar este momento. Mas o previsível as pessoas nunca contam que seja amanhã”.
O Ex-comandante-geral esperava que a sua ‘cessação’ de funções fosse em Agosto, até porque o seu mandato terminaria naquele mês, “e estávamos preparados para enfrentar esta nova realidade depois de Agosto, mas antecipou-se”, lamentou.
Questionado sobre a forma como algumas pessoas lidam com exonerações no país, De Almeida disse que, para quem teve toda uma vida de rotina e o corpo está viciado nesta mesma rotina, é como se estivéssemos numa viatura em andamento e pára de repente.
Porém, realçou que tem consciência que tudo que começa acaba, e tudo que tem princípio tem fim.
“As exonerações são actos normativos, actos legais, actos normais que acontecem na vida”, no entanto, é de opinião que é necessário regrar as formas de exoneração.
“As pessoas devem ser comunicadas com antecedência, para se prepararem e estarem avisadas que vai acontecer, para que não se tenha a impressão que é uma situação de conveniência ou disciplinar. Num Estado de direito em que queremos a valorização das consciências e a própria moral das pessoas, as coisas devem ser feitas com uma certa regra e procedimento, para que as pessoas saiam com o sentimento de missão cumprida”, atestou.
Exoneração foi constrangedora e não obedeceu um ritual militar
“Foi um pouco constrangedor a forma como saí, não gosto de falsear as imagens, julgo que, sobretudo nós miliares e que temos uma carreira militarizada, há um certo ritual que deve ser obedecido. As pessoas são avisadas, e o Comandante, na despedida, deve sempre despedir-se das forças, e para isso, ele deve comunicar, faz às despedidas das grandes unidades, e depois passa o testemunho, que é a bandeira e a espada ao outro, num formatura ou num acto solene. São rituais que prestigiam o que vai sair e o que vai tomar posse”, observou.
Polícia em actos eleitorais
Quanto a nova realidade social e a entrada na campanha eleitoral tendo em conta as eleições de Agosto, Paulo de Almeida disse que ainda enfrentamos problemas culturais e educacionais, e já é altura de entendermos que ninguém é igual a ninguém, “às diferenças vão sempre existir, todos nós somos angolanos e queremos bem-estar desenvolvimento e Paz”.
O ex-comandante-geral disse ainda que as cores políticas não podem ser motivo das grandes desavenças, “podemos discuti-las nos momentos e em fóruns próprios. Tenho dito que, isto é como o católico e o metodista numa casa, dois podem ser católicos e outros metodistas e dão-se muito bem”.
Intolerância política
O antigo homem forte da farda azul explicou que é necessário que se faça um trabalho muito árduo de educação política, para acabar com os problemas de intolerância, “porque põe bandeira, tira bandeira, já não é altura para isso, cada um deve respeitar as convicções dos outros”, disse.
Mas, sempre foi assim?
Questionado se sempre teve esse pensamento, Paulo respondeu que sim, e explicou que defende uma linha política, um princípio político que tem um berço político, mas quando está a exercer as suas funções de Estado, é Angolano.
Bandeiras partidárias em fases não eleitorais
Paulo de Almeida disse ainda que é importante que se evite a colocação de bandeiras em várias localidades do país, em fases não eleitorais.
“Não deveria haver bandeiras, eu andei por este país e vê-se mais bandeiras partidárias do que bandeiras do próprio país, nas sanzalas as bandeiras parecem territórios ocupados, é errado”, reparou.
Passagem honrosa na Polícia
O ex-comandante-geral da Polícia Nacional, referiu que na corporação criou dois órgãos, que são a Polícia de Guarda Fronteira, com a extinção das Tropas de Guarda Fronteira de Angola (ex-TGFA), e a Polícia Fiscal, esta primeira criada do zero.
E como surgiu?
“Nos acordos de Bicesse, depois das partes terem acordado várias situações, uma das questões era controlo das fronteiras. Então, como as FALA estavam a ser acantonadas, decidiu-se criar uma estrutura de Guarda Fronteira, então chamaram-me para criar a estrutura. Chamei 2 mil efectivos das ex-TGFA para formar a Polícia de Fronteira, entre polícia nacional e elementos das ex-fala”, recordou. Quanto a Polícia Fiscal, foi criada quando já havia um embrião.
“Havia já um embrião feito no tempo do Corpo de Polícia Popular de Angola (CPPA), que foi presidida pelo Comissário Geral Ambrósio de Lemos, mas depois acabou, e como tínhamos que controlar a fronteira fiscal de Angola, teve que se criar a Polícia Fiscal, porque nos pontos de fronteira não havia o controlo do contrabando, então criei a Polícia Fiscal”, sublinhou ressalvando que deixa assim a sua marca na Polícia Nacional.
Problemas administrativos
Segundo De Almeida, na corporação há muitos problemas administrativos.
“Dinheiro é a nossa força, é a nossa vontade, com o pouco que temos podemos fazer muita coisa, é precisa ter vontade, agora queremos ficar com tudo, queremos ser tudo, não pode. Quando se pensa que a lei só é boa quando nos favorece não vamos a lado nenhum, são essas situações que temos que começar a corrigir, e quando se diz corrigir o que está mal, é para corrigir mesmo, é preciso ter coragem, dizer que as coisas estão bem quando não estão, não é bom, estamos a nos prejudicar”, alertou.
Fiasco na Operação Resgate
Quanto a execução da Operação Resgate que arrancou em Novembro de 2018, para repor a autoridade do Estado, combater o crime e a imigração ilegal, com um carácter "repressivo e pedagógico", Paulo de Almeida explicou que foi bem elaborada, bem concebida, mas algumas vontades não acharam que era uma operação policial.
“Aquela operação poderia ter um ou outro excesso, mas tinha um objectivo muito sã. E quando esta operação terminou, muita gente reclamou e lamentaram, porque já havia muitas situações resolvidas, sobretudo nas administrações locais, organização dos mercados, orientação dos ambulantes, já sentíamos a cidade desanuviada, as estradas já não se confundiam com os mercados, se continuássemos estaríamos como um Ruanda”, exemplificou.
Luta contra a corrupção
Questionado sobre os avanços da luta contra corrupção, bandeira hasteada pelo executivo de João Lourenço, Paulo disse que “é uma luta necessária, e para além das medidas repressiva, um factor fundamental é a educação.
“Enquanto as pessoas não estiverem educadas a cumprirem às normas de gestão financeira, vamos sempre combater, mas estaremos a criar outros elementos no sistema. Houve bons espaços, houve desencorajamento nestas tendências, mas as coisas continuam”.
Saída da corporação “menos honrosa”
Aquando da sua exoneração, houve várias versões e especulou-se sobre ela, sobre este facto, o ex-comandante disse que é “muito natural que se especule, sobretudo pela forma como foi feita. Numa primeira abordagem, pensa se que é uma questão disciplinar, e até eu me pergunto, mas como já vinha acompanhando às situações, sei que não é uma situação nova, e regozijo-me muito com o Presidente João Lourenço, que temos uma relação de muita cordialidade e acredito que até teve a paciência e o suporte para manter-me até ao dia 10 de Janeiro deste ano, mas não tem nada a ver com indisciplina, má execução, porque eu cumpri, trabalhei nas situações mais difíceis talvez da história da Polícia, momento em que a crise económica esteve no seu extremo, num período em que a pandemia assolou todas as estruturas, e ninguém registou”, lamentou, referindo que, num comando como este, com mais de 100 mil homens, com tantas técnicas tantos meios, sempre exigíamos que se cumprisse a lei.
“A Polícia é um órgão de determinada autonomia administrativa, patrimonial e financeira. Se cumpríssemos com este desiderato da lei, teríamos uma polícia muito mais evoluída, muito mais dinâmica, mesmo com as dificuldades que hoje o País tem”.
A minha cessação de funções tem nome e rosto
Sobre a sua exoneração do cargo de Comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida disse que são muitos anos que se dedica, que se esforça e a pessoa deve ser valorizada e respeitada.
“A minha cessão de funções ‘na Polícia Nacional’ tem cara e rosto”, questionado sobre quem era, De Almeida disse preferir deixar o quadro pintado para as pessoas interpretar.
“Não me considero exonerado das minhas funções, como angolano estou disponível para contribuir por este país”, sentenciou.